Baby + Barba Ensopada de Sangue + Enterre Seus Mortos
Considerações sobre três filmes que não despertaram fortes emoções na Mostra
Invertendo a lógica de guardar o melhor para o final, trago breves impressões sobre três filmes brasileiros que não me agradaram tanto na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Este é o último post da cobertura do festival e espero que vocês tenham apreciado o material.
A periodicidade não foi a ideal, mas rendeu mais publicações do que na edição anterior do evento, por exemplo. Ano que vem tem mais!
Sem mais delongas, vamos aos filmes:
Baby
“Baby” me causou um incômodo bem similar ao que senti vendo “Apaixonada”. Ambos são, em certa medida, estudos de personagem que não conseguem te mostrar porque os demais personagens se apaixonam por seus respectivos protagonistas.
O novo filme de Marcelo Caetano acompanha Wellington, um jovem de 18 anos que acabou de ser liberado de um centro de detenção juvenil. Abandonado pelos pais em São Paulo, ele começa a perambular sozinho pelas ruas da capital paulista. Numa das andanças conhece Ronaldo, um homem de mais de 40 anos que trabalha como garoto de programa. A relação entre eles evolui, mas esbarra nos conflitos e violências da metrópole.
Wellington (ou Baby, conforme apelidado por Ronaldo), é um “moleque” não apenas na questão da idade, mas principalmente no aspecto comportamental. Ele é instável, pouco confiável e um tanto “sem sal”, para dizer o mínimo.
Há uma questão – bem trabalhada pelo roteiro – que envolve o desejo dele em reencontrar a mãe. Fora isso, o personagem é uma incógnita completa. É necessária muita suspensão de descrença para acreditar que um adulto se perderia de amores por uma pessoa assim. O mundo é cheio dessas coisas, obviamente, mas a ficção pode dar um pouco mais de sentido para a nossa realidade.
Por mais que a direção de Caetano seja ágil e que consiga explorar de modo interessante as ruas São Paulo, falta mostrar porque Baby é um personagem interessante. Ele não funciona enquanto protagonista, o que automaticamente compromete a experiência.
Barba Ensopada de Sangue
Muita coisa na vida e, consequentemente, no cinema, é questão de timing. “Barba Ensopada de Sangue”, de Daniel Galera, foi um fenômeno literário e tem uma geração de fãs. É o livro preferido de muita gente.
Dito isso, estamos falando de uma obra publicada em 2012. Passados 12 anos, chega o filme. Infelizmente, temos aqui uma história que não ressoa mais com a mesma intensidade.
E não ressoa por um motivo bem simples: é algo muito “fora de época”. Um homem branco, heterossexual, se isolando de todos para encarar os próprios demônios. No processo, se vê envolvido num mistério geracional.
O enredo acompanha Gabriel (Gabriel Leone), que após a morte de seu pai, parte para a praia da Armação em busca de suas origens. O que ele acaba encontrando é uma trama complexa em torno da figura misteriosa de seu avô, um esqueleto de baleia e uma cidade que quer enterrar seu passado a qualquer custo.
A adaptação conduzida pelo diretor Ary Muritiba (“Deserto Particular”) é, certamente, a visão de alguém apaixonado pelo livro. No entanto, o filme é de uma sensibilidade muito oposta ao material original, tornando “doce” algo que é para ser visceral e desnorteante.
Não vou entrar em spoilers, mas é possível afirmar que a conclusão do filme joga a história num lugar muito diferente, o que acaba potencializando essa sensação de que estamos vendo algo datado.
Evidentemente, há alguns bons momentos, especialmente do ponto de vista de direção. Muritiba executa um bom plano longo no diálogo entre Gabriel e sua ex-esposa. Até aquele momento, o diretor tentava manter um certo mistério sobre alguns traços importantes do protagonista. É um exercício de linguagem muito válido, mas aquela cena simplesmente não deveria estar num ponto tão inicial do filme.
O preço que Muritiba paga para proporcionar revelações de forma orgânica é muito alto. Existe um esforço para manter um tom constante de suspense, o que torna tudo cru demais… até a reta final, que quebra essa lógica e compromete totalmente a história.
A impressão é de que o filme abraça a necessidade de encerrar ciclos para seguir em frente, enquanto no livro a ideia é de que é preciso seguir em frente porque não há nada no passado que possa servir de combustível. Como dito anteriormente, sensibilidades muito distintas.
Enterre Seus Mortos
A dobradinha entre Juliana Rojas e Marco Dutra já rendeu ao cinema nacional alguns ótimos filmes, como “As Boas Maneiras” (2017) e “Trabalhar Cansa” (2011). No entanto, as obras que lançaram solo neste ano não repetiram o mesmo nível de brilhantismo. Juliana dirigiu o irregular “Cidade; Campo”, enquanto Marco trouxe o apocalíptico “Enterre Seus Mortos”, que ainda será lançado no circuito comercial.
O longa começa de modo extremamente intrigante, provocando um incômodo constante e despertando a curiosidade sobre o que pode ter acontecido naquele mundo. No entanto, o excesso de elementos atrapalha consideravelmente a narrativa.
Selton Mello vive Edgar Wilson, um recolhedor de animais mortos que precisa limpar as estradas da pequena cidade de Abalurdes. Tudo indica que o mundo está para acabar e há uma série de motivos diferentes para isso.
Enquanto animais aparecem mortos a todo momento, cientistas querem fugir do planeta em foguetes; uma nova religião surge; um vírus afeta apenas crianças; e o mistério sobre a identidade de um serial killer volta para assombrar a pequena comunidade. Isso sem falar num mercado ilegal que envolve corpos humanos.
Há paralelos com obras de H. P. Lovecraft, com a bíblia e até mesmo com a série “The Leftovers”. É muita coisa misturada, batida no liquidificador de qualquer jeito. Quando fica claro que não há como recuperar qualquer tipo de coesão, o riso nervoso toma conta. Infelizmente, é um capítulo bem agridoce na filmografia de um bom diretor.
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