Crítica | A Primeira Morte de Joana
Em seu segundo filme, diretora Cristiane Oliveira consolida temáticas ao retratar o despertar sexual num núcleo conservador
Depois de passar por mais de 40 festivais nos últimos dois anos, e de vencer os prêmios de Melhor Filme pelo Júri da Crítica, Melhor Fotografia e Melhor Montagem do Festival de Gramado em 2021, “A Primeira Morte de Joana” chega aos cinemas nesta quinta-feira (4). Em seu segundo longa-metragem, a diretora Cristiane Oliveira trata do despertar sexual num núcleo conservador e, de certa forma, consolida temáticas em sua filmografia.
Na trama, acompanhamos Joana (Letícia Kacperski), uma menina de 13 anos que tenta descobrir por que sua tia-avó nunca teve um namorado; a mulher acaba de falecer, aos 70 anos. Essa busca por respostas afetará sua relação com a mãe, com a avó e também com sua melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane).
Logo de cara, é fácil traçar paralelos com o belga “Close”, indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional neste ano. A obra em questão acompanha dois meninos de 13 anos, muito próximos, cuja amizade começa a ser olhada de forma jocosa pelos colegas de escola. No entanto, o longa brasileiro não cai na armadilha de jogar a discussão principal para escanteio em prol de um evento traumático. No caso do filme europeu, isso muda a narrativa e, por consequência, os motivos para o distanciamento entre os meninos acabam não sendo desenvolvidos.
“A Primeira Morte de Joana” sabe exatamente quais são seus temas e se mantém fiéis a eles durante os 91 minutos. A história começa com um choque para a protagonista, a morte da tia-avó, de quem ela era próxima. Ao invés de afastar a personagem dos temas centrais, a diretora usa esse momento de ruptura como um trampolim para Joana começar a questionar algumas convenções familiares e, de certo modo, o mundo ao seu redor.
Estamos, portanto, diante de um filme de amadurecimento (o famigerado coming of age), o que não é uma novidade para a cineasta. Seu primeiro filme, “Mulher do Pai” (2016), também acompanha uma adolescente sulista num momento de despertar após a morte da avó. Ambos se passam em cidades bem afastadas do núcleo mais cosmopolita do Rio Grande do Sul.
Outra semelhança entre os filmes está no fascínio que os corpos adultos despertam nas jovens. Não num sentido de desejo sexual pleno, mas da curiosidade que é instigada pela figura do outro. A diretora busca um equilíbrio difícil de se obter, com resultado mais satisfatório no segundo filme, pois “Mulher do Pai” se ancora exageradamente num jogo de expectativas, com menos drama e mais suspense.
Em seu novo trabalho, a morte da tia-avó acontece no momento em que Joana vive a transição da infância para a adolescência. Com sensibilidade e sem pudor, o roteiro aborda o despertar sexual da protagonista, concomitantemente à “investigação” de Joana sobre a vida de sua tia-avó. E, ao contrário de “Close”, consegue debater como a homofobia se manifesta numa sociedade conservadora, bem como suas consequências mais mundanas.
“A Primeira Morte de Joana” é recheado de alegorias visuais para demonstrar as transformações pelas quais sua protagonista está passando. Algumas mais subjetivas – como as sequências na floresta – e outras um tanto óbvias. Exemplo disso ocorre logo após Joana se deixar impactar pela sociedade homofóbica; como resposta, a diretora filma apenas os pés da protagonista andando para trás.
Com maior ou menor sucesso, há de se reconhecer que Cristiane Oliveira busca formas de tornar o filme interessante do ponto de vista da direção. Há alguns bons raccords gráficos (elementos fisicamente parecidos, que cortam de um para o outro para dar a impressão de continuidade visual), além do uso pontual de raccords sonoros.
Porém, outras decisões são questionáveis e simplesmente não funcionam. A mais gritante delas é uma breve inserção de sonora em off, já na reta final do filme, que verbaliza algo que a protagonista está pensando. Parece um resquício de algo do roteiro que não precisava estar em tela.
Fica ainda a impressão de que o corte final deixou algumas coisas deslocadas, como a briga de Joana para ver a inauguração da usina eólica. O local em si é importante para a trama, mas essa cena específica não dialoga com o restante da obra.
Ainda que com ressalvas, “A Primeira Morte de Joana” é feliz em debater o despertar sexual na juventude e o quanto um meio conservador pode dificultar algo que é natural. Mais do que isso, nos brinda com a ótima atuação de Letícia Kacperski como Joana, que impressiona em seu primeiro papel no cinema.
Nota: 3 de 5.
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Achei bem interessante o uso do vento como a metáfora ao descobrimento e maturidade. Inclusive nos chamados raccords sonoros, tanto da flautinha do amolador de facas, quanto dos cataventos da eólica.