Crítica | Cidade; Campo
Novo filme de Juliana Rojas reflete sobre finais e recomeços, mas perde potência ao dividir narrativa em dois núcleos
Assim como já havia feito no excelente “As Boas Maneiras” (2017), a diretora Juliana Rojas opta por uma narrativa dividida em dois núcleos em “Cidade; Campo”. No entanto, diferentemente do seu trabalho anterior (codirigido com Marco Dutra), este novo filme é prejudicado pelo roteiro “bifurcado”. A obra estreou no circuito comercial no dia 29 de agosto e, antes, venceu o prêmio de Melhor Direção na Mostra Encounters do Festival de Berlim 2024.
Há uma forte aposta no contraste entre as realidades dos núcleos, o que faz sentido tematicamente. O problema é que o drama da segunda metade é bem menos inspirado e lida de forma quase clichê com algo que sempre se destacou positivamente nas obras da diretora: o elemento sobrenatural.
Na primeira parte do longa, após o rompimento de uma barragem inundar sua terra natal, a trabalhadora rural Joana (Fernanda Vianna) se muda para São Paulo para encontrar sua irmã Tânia, que mora com o neto Jaime. Na capital paulista, ela luta para se adaptar a uma nova rotina.
Já na segunda parte, Flávia (Mirella Façanha) se muda com Mara (Bruna Linzmeyer), sua companheira, para a fazenda que herdou do pai, falecido recentemente. A natureza obriga as duas mulheres a enfrentar frustrações e lidar com memórias e fantasmas.
Nos dois momentos distintos do filme, há o fim de um ciclo e o início de um novo. Apesar das conexões sutis entre os núcleos, a falta de uma conexão mais forte prejudica consideravelmente o conjunto da obra. Ainda que “As Boas Maneiras” funcionasse praticamente como dois filmes isolados, toda a carga emocional da primeira parte é carregada para a segunda. O mesmo não acontece em “Cidade; Campo”.
A única personagem desenvolvida de modo complexo é Joana, numa interpretação maravilhosa de Fernanda Vianna. É uma composição contida, mas que demonstra os traumas, fragilidades e esperanças da personagem.
A mulher perdeu tudo após o rompimento de uma barragem em sua cidade natal (o que automaticamente remete a Brumadinho). Em São Paulo, por falta de opção, começa a trabalhar como diarista no aplicativo Diarex, uma espécie de Uber de faxina.
É nesse segmento que outra marca muito forte do cinema de Juliana Rojas aparece: a crítica ao capitalismo, principalmente à lógica liberal. “Você é sua própria empreendedora”, diz a gerente do Diarex, tentando mascarar a precarização do trabalho com base num discurso meritocrático.
A partir daí, o longa nos oferece momentos inspirados, especialmente com a união das trabalhadoras contra a empresa após uma colega ser assediada por um cliente. A interação entre essas mulheres também se torna fundamental para que Joana comece a se sentir mais “em casa”, ainda que nunca abandone uma certa dose de melancolia ao relembrar e cantar sobre seu lar (o aspecto musical de Juliana Rojas novamente presente).
Há, ainda, uma relação muito bonita de Joana com o pequeno Jaime, uma típica criança da cidade grande. Ver florescer a relação entre eles é outro acerto do roteiro, que constrói vínculos afetivos pela atenção e pela escuta, dois elementos ausentes na criação de uma infinidade de crianças.
A jornada de Joana, por si só, sintetiza os grandes temas de “Cidade; Campo”.
Já o segundo núcleo tenta trazer a perspectiva do lado oposto, com personagens que deixam a cidade e vão para o campo. A trama é conduzida pelos traumas de Flavia, já que o pai era um homem muito reservado e pouco falava sobre sua mãe, figura com a qual a mulher não teve muito contato.
A discussão acaba girando em torno de como tudo está “morrendo” naquele lugar, o que abre espaço para o aspecto sobrenatural, que funciona como ferramenta para que a personagem enfrente assuntos não resolvidos.
Já Mara é uma personagem bem mais bidimensional. Veterinária, ela trabalhava em ambiente fechado e agora quer estar ao ar livre, em contato com os animais. Quando as coisas não vingam como deveriam, a personagem ameaça quebrar, mas retorna no fim para ajudar a companheira. E não tem muito além disso.
Ambos os núcleos são bem dirigidos e as atuações são impecáveis, mas “Cidade; Campo” nunca recupera seu melhor momento depois que Joana sai de tela. É o longa mais irregular da carreira de Juliana Rojas, que ao longo dos anos nos acostumou com obras muitíssimo bem resolvidas.
Nota: 3 de 5.
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