Crítica | Levante
Primeiro longa de Lillah Halla é retrato intenso da luta para ter agência em relação ao próprio corpo, mas cai no caricato
Quase um ano depois de sua première mundial na Semana da Crítica do Festival de Cannes, em 23 de maio de 2023, “Levante” finalmente chega ao circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (22). O primeiro longa-metragem da diretora Lillah Hallah conquistou o prêmio de melhor filme de estreia nas mostras paralelas do festival francês, concedido pela Fipresci, a Federação Internacional de Críticos de Cinema.
Sofia (Domênica Dias) é uma jogadora de vôlei de 17 anos que tem a chance de ganhar uma bolsa de estudos para seguir sua carreira no Chile. Porém, uma gravidez indesejada pode acabar com seus planos. Com o apoio do seu time e de seu pai, ela enfrenta duros desafios na tentativa de interromper a gestação clandestinamente.
Uma das principais forças do filme está em seu elenco, puxado pela protagonista vivida por Domênica Dias, filha de Mano Brown. No entanto, ainda que seja um retrato intenso da luta pelo direito de ter agência em relação ao próprio corpo, a obra acaba caindo no caricato pela forma como desenvolve os antagonistas, além de ter alguns problemas técnicos incômodos, como o desenho de som desbalanceado, com a trilha sonora muito alta e os diálogos inaudíveis em alguns pontos.
Planos médios e fechados são frequentemente utilizados por Halla, o que dificulta o entendimento de diversas cenas, a começar pelas partidas de vôlei. Pode parecer algo menor quando consideramos a temática principal, mas era de se esperar algumas boas cenas do esporte num filme sobre uma jogadora de vôlei; o elenco até treinou antes das filmagens. Não há uma única partida na qual seja possível visualizar qualquer jogada, já que a câmera está sempre fechada nas personagens.
A escolha questionável de enquadramento se repete no ápice do longa. É na sequência final, inclusive, que as coisas desandam para o caricato do ponto de vista narrativo. Após o roteiro sugerir que a comunidade como um todo estava contra a garota, o que vemos é um rompante de violência, no qual o ginásio inteiro parece se voltar contra Sofia a ponto de espancá-la.
E aqui eu digo “parece” porque a câmera de Halla insiste nos planos fechados. Por um lado, isso potencializa a sensação claustrofóbica. Concomitantemente, dificulta a percepção da audiência em relação ao todo.
Era uma final de campeonato, num lugar em que todos certamente conheciam Sofia e torciam por ela até então. É possível que o aborto apagasse todas as boas memórias que aquela “torcida” já teve com ela? Possível é, mas o entorno da protagonista e de seu grupo de proteção nunca é desenvolvido de forma complexa.
É a vitória da caricatura do vilão branco, heterossexual, religioso e conservador. É o momento em que o filme deixa claro que está mais preocupado em ser um grande comentário sobre o Brasil de Jair Bolsonaro do que em contar uma história coesa.
Por outro lado, não deixa de ser interessante a forma como a diretora mostra como aquela comunidade tenta encurralar Sofia. Primeiro, na base de um discurso supostamente acolhedor e de apoio. Depois, de ameaças, com a figura da enfermeira manipuladora dizendo que a comunidade do bairro está “preocupada”, e também com a invasão da casa de Sofia.
Por fim, quando os “torcedores” são informados do suposto aborto, a resposta vem em forma de violência. Ironicamente, tal reação devolve, de certo modo, a agência que aquelas pessoas tentaram tirar de Sofia, já que ela acaba abortando em decorrência das agressões.
É um modo extremo e provocador para o roteiro fechar o ciclo de violência, dialogando com a revolta de uma juventude que não aceita mais ser limitada por dogmas religiosos e um falso moralismo.
“Levante” dá uma pancada forte no conservadorismo, evidencia que há outros caminhos possíveis e que é preciso lutar por isso. Não tem a força de um “Incompatível com a Vida” e oscila ao buscar uma catarse com base num efeito de manada.
Apesar dos problemas, a atuação hipnótica de Domênica Dias como Sofia mantém as coisas interessantes mesmo nos momentos em que a discussão se perde.
Nota: 2,5 de 5.
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