Crítica | Motel Destino
Esteticamente deslumbrante, neonoir de Karim Aïnouz fica abaixo do potencial dramático do diretor
As características do cinema noir estão presentes em “Motel Destino”, mais especificamente do neonoir, subgênero que bebe da mesma fonte, mas adiciona novos elementos (principalmente visuais). Depois de concorrer a Palma de Ouro do Festival de Cannes deste ano, o novo longa do cineasta cearense Karim Aïnouz estreou no circuito comercial na última quinta-feira (22/08).
A trama acompanha Heraldo (Iago Xavier), um homem de 21 anos que precisa fugir de uma chefe do crime para quem trabalha. Depois de um serviço dar errado e custar a vida do seu próprio irmão, Heraldo consegue abrigo num motel de beira de estrada no litoral cearense. Lá, ele começa a se relacionar com Dayana (Nataly Rocha), que é esposa de Elias (Fábio Assunção). O casal é dono do motel e vive uma relação turbulenta.
Heraldo é um anti-herói por excelência, estereótipo mais comum dos protagonistas do cinema noir. Para além do fato de estar conectado com criminosos, a primeira interação dele com Dayana se dá de forma violenta, agarrando a mulher pelo pescoço por ela não deixar que ele saia sem pagar a conta. É uma pontuação muito clara de que não estamos diante de um personagem de moral ilibada.
Outro elemento essencial para o gênero é a fotografia. Em vez de sombras duras, típicas da primeira fase do noir (que vai até meados de 1958), temos cores neon, saturadas, que acentuam uma sensação constante de calor e de desejo.
O vermelho, por exemplo, é usado de forma predominante nas sequências de sexo entre Heraldo e Dayana, brincando com a ideia de sedução, mas, também, de perigo. Afinal, os personagens estão cedendo aos seus desejos e, concomitantemente, se colocando em situação em risco.
A fotografia é assinada por Hélène Louvart, que já havia trabalhado com Karim em “A Vida Invisível” (2019). Além de abusarem dessas cores intensas, a dupla lida muito bem com as cenas noturnas, aproveitando a iluminação natural das locações.
A melhor cena do longa do ponto de vista visual se passa a noite, quando Heraldo e Dayana correm pelados pela estrada para tentar fugir de Elias, que descobriu a traição e está pronto para matá-los. O que se destaca é o céu iluminado pelas luzes das torres de energia eólica ao fundo, as quais já havíamos visto durantes cenas diurnas.
Essa fuga desesperada, de certa forma, recoloca Heraldo “nos trilhos”. Depois de conseguir abrigo no motel, o homem para de fugir e, sem perceber, se torna um prisioneiro naquele motel. A forma como Karim filma o estabelecimento reforça essa ideia. Em diversos momentos, o diretor coloca seus personagens para interagir no corredor que servia de conexão entre os quartos e os funcionários do motel.
A disposição espacial se assemelha a de uma prisão. O modo como Elias espia os clientes transando também remete a ideia de um guarda observando presos. Ainda que esteja do lado de fora dos quartos, Heraldo se torna uma espécie de prisioneiro do próprio desejo que sente por Dayana. Esse é outro elemento muito forte do noir: potencializado pela fotografia, o filme nos mostra que o personagem já está preso, mas ainda não se deu conta.
Curiosamente, o desenho do som transmite uma ideia totalmente diferente sobre o motel. Quase o tempo todo ouvimos pessoas transando (e gritando de prazer) nos quartos. O filme, aliás, é recheado de contrastes: o motel fica numa localização afastada, longe de tudo, mas é um refúgio seguro; no entanto, deixa de ser seguro por conta das decisões do protagonista.
Ainda que tecnicamente irretocável, “Motel Destino” não consegue atingir um ápice dramático no mesmo nível de trabalhos anteriores do diretor, como “Praia do Futuro” (2014). O roteiro espalha algumas pistas do que poderia vir a seguir apenas para quebrar expectativas. Por exemplo: Elias é um voyeur, mas não usar as câmeras de segurança do motel para espionar a esposa enquanto está fora, o que parecia se desenhar no início do filme.
Essa lógica é maximizada com a morte de Elias, que durante a perseguição dorme ao volante e atropela um cavalo. É anticlimático, ainda que a consequência seja uma cena extremamente divertida, com Heraldo e Dayana chegando pelados ao local do acidente.
O final apressado também não colabora para que o discurso do protagonista cause qualquer tipo de comoção. Ainda que entendamos que a vida dele foi de dificuldades e violência, nunca chegamos a, de fato, nos conectarmos com o personagem, já que tudo que vemos é Heraldo tomando decisões equivocadas. É um anti-herói que o roteiro quer tratar como herói a todo custo; o fato de Elias ser uma figura ameaçadora ajuda na redenção do protagonista.
Esteticamente deslumbrante, “Motel Destino” é uma boa aventura de Karim Aïnouz no neonoir, mas abaixo do potencial dramático do diretor.
Nota: 3,5 de 5.
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