Crítica | Othelo, o Grande
Documentário desmistifica imagem de Grande Otelo, mostra luta contra o racismo e evidencia o peso do ator para o cinema nacional
“A minha política é fazer rir”. Uma das primeiras declarações que vemos de Grande Otelo no documentário “Othelo, o Grande”, não resume, de forma alguma, sua personalidade. Um dos maiores atores da história do país, ele era extremamente vocal sobre questões sociais, especialmente o racismo, postura que sempre incomodou aqueles que acham que política não tem de se misturar com arte (como se isso fosse possível).
Ao mesmo tempo em que desmistifica a figura de Sebastião Bernardes de Souza Prata, conhecido como Grande Otelo, o filme evidencia seu peso para o cinema nacional, o que inevitavelmente soa como um convite para que sua obra seja redescoberta pelas novas gerações. Dirigido por Lucas Henrique Rossi dos Santos, o documentário estreia nos cinemas nesta quinta-feira (05/09). Antes disso, venceu o prêmio de melhor documentário no Festival do Rio de 2023.
Com uma certa linearidade, o filme reconta momentos marcantes da vida e obra do ator, famoso por estrelar as chanchadas produzidas pelo estúdio Atlântida, além da parceria com Oscarito. Posteriormente, foi consagrado definitivamente por seu papel em “Macunaíma” (1969).
Neto de escravos, de origem humilde, ele mudou de vida ao se destacar na carreira e se tornou um artista requisitado. No entanto, nunca deixou de sofrer com o racismo.
O contraste entre sucesso profissional e preconceito nos bastidores é muito bem costurado pela montagem, facilmente o carro-chefe do documentário. Grande Otelo foi um artista plural, que participou de mais de uma centena de obras audiovisuais, o que oferecia uma infinidade de possibilidades para contar a história.
Sem recorrer a “cabeças flutuantes”, o roteiro utiliza entrevistas do próprio Grande Otelo como principal recurso para conduzir a narrativa; também há a narração da atriz Zezé Motta em alguns momentos. O resultado é extremamente refinado: nunca chega a ser didático, tampouco permite que a audiência fique perdida com a quantidade de informações apresentadas.
Obviamente, tal dinâmica cobra seu preço em alguns pequenos momentos. O trágico suicídio da companheira de Otelo, logo após a mulher matar o próprio filho, é abordado em menos de 30 segundos. Do mesmo modo, o trabalho de Otelo na TV recebe menos espaço. São decisões compreensíveis, pois o foco da obra gira em torno do aspecto mais “político” do artista.
De modo cirúrgico, o documentário evidencia como Grande Otelo era consciente das desigualdades do país. Falava ativamente sobre racismo e deixava claro, para quem quisesse ouvir, de que o fato de ser um homem negro o fazia ter menos oportunidades, além de ganhar menos do que seus pares brancos.
É, ainda, de um simbolismo belíssimo que o diretor permita que o próprio retratado “narre” seu próprio documentário. Algumas passagens do filme reforçam como Grande Otelo não conseguiu se estabilizar financeiramente, aceitando papéis que pouco tinham a ver com ele “ou com o negro brasileiro”, como disse em uma entrevista. “Eu preciso sobreviver”, justificou.
“Othelo, o Grande” é um registro fortíssimo da memória do ator e pode servir de ponto de partida para que novas gerações redescubram seu trabalho. Ter contato com a história de Otelo é mergulhar na história do cinema nacional.
Para os que saíram do documentário com esse gostinho de quero mais, fica a dica: “Amei um bicheiro” (1952), noir brasileiro dirigido por Jorge Ileli e Paulo Wanderley. Grande Otelo pode até não ser o protagonista, mas é claramente o membro mais querido e importante daquele elenco. Quando ele aparece em cena pela primeira vez, só faltou estender o tapete vermelho. Coisa de gente grande.
Nota: 4 de 5.
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