Crítica | Quando eu me encontrar
Necessidade de recomeçar traz universalidade para o primeiro longa das diretoras Amanda Pontes e Michelline Helena
Ainda estamos em setembro, mas é seguro afirmar que o Ceará nos presenteou com alguns dos filmes mais interessantes de 2024. Para além do badalado “Motel Destino”, tivemos o curioso “Estranho Caminho” e o ótimo “A Filha do Palhaço”, que certamente estará no top 10 do ano da newsletter Cinema à Brasileira.
Esse último filme, aliás, tem conexão direta com “Quando eu me encontrar”, longa cearense que chega aos cinemas nesta quinta-feira (19/09). É o primeiro longa-metragem dirigido pelas realizadoras Amanda Pontes e Michelline Helena, que corroteirizaram “A Filha do Palhaço” junto do cineasta Pedro Diogenes.
Em “Quando eu me encontrar”, a partida repentina de Dayane impacta a vida daqueles que ela deixou para trás. Sua mãe, Marluce (Luciana Souza), faz de tudo para não demonstrar o choque que a partida da filha lhe causou. A irmã mais nova de Dayane, Mariana (Iasmin Dantas de Souza), enfrenta problemas na nova escola. E Antônio (David Santos), noivo de Dayane, se vê num vazio diante da partida dela e busca obsessivamente por respostas.
Para além da sensação de abandono que é intensificada pela falta de respostas, o longa faz um bonito comentário sobre recomeços forçados. Antônio mora num imóvel pequeno, no qual acumula itens domésticos para a futura casa com Dayane. O colchão para a cama do casal segue no plástico, encostado na parede.
Quando sua amada repentinamente some sem dar satisfações, o que fica é um vazio existencial. Primeiro, a negação. Depois, a raiva e a busca por respostas. E, por fim, um momento de inércia que só será quebrado por um dos poucos elementos mágicos da vida: o tempo.
Habilmente, o roteiro não permite que o filme caixa em clichês. Antônio não se tornará um homem vingativo ou cometerá um feminicídio, ainda que uma de suas reações seja machista, criticando as supostas intenções da noiva ao desaparecer. Ao invés disso, o personagem simplesmente terá de viver, um dia após o outro.
É algo bem simples do ponto de vista temático, mas cai naquela zona de “autenticidade” que pode transformar um filme ordinário em algo mais profundo. Um desses momentos ocorre na belíssima cena em que Antônio se lembra de quando Dayane o desafiou a pular de uma ponte, em direção ao mar. Naquela ocasião, ele não teve coragem e, depois de ser abandonado por ela, segue sem ver sentido naquilo e não consegue pular. Uma forma elegante de dizer que, talvez, aquelas duas pessoas não fossem realmente compatíveis.
O mesmo se repete em todo o arco da mãe de Dayane, Marluce, numa interpretação esplêndida de Luciana Souza. A personagem é uma fortaleza e evita demonstrar fragilidade, mas, em seu interior, busca respostas para o abandono que sofreu. Sem conseguir encontrá-las sozinha, vai visitar a própria mãe, com a qual nunca tive uma boa relação.
A forma como Marluce critica a genitora por nunca ter tido uma postura de “mãe de verdade” serve como despertar para que a própria Marluce reveja o modo como se relaciona com as próprias filhas. Talvez o timing tenha sido perdido com Dayane, mas Mariana ainda está lá. Apenas uma fase terminou.
É nesse grande ciclo temático que o filme gira, tendo seus momentos menos inspirados na parte de Mariana, especialmente porque o drama lateral de sua colega de classe não dialoga tanto com as duas outras partes do longa (puxadas por Antônio e Marluce).
Ainda assim, a boa interpretação de Iasmin Dantas de Souza mantém a conexão emocional no tom necessário para que as cenas com sua mãe sejam tocantes.
“Quando eu me encontrar” é universal ao debater a necessidade que todos temos de nos reinventarmos e nos adaptarmos, por mais doloroso que possa ser.
Nota: 3,5 de 5.
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