Deu a lógica: ‘Ainda Estou Aqui’ é escolhido para representar o Brasil no Oscar
Academia Brasileira de Cinema divulgou o escolhido nesta segunda-feira (23); indicados serão conhecidos apenas em janeiro
A Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais anunciou nesta segunda-feira (23/09) que “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, foi o escolhido para representar o Brasil na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar 2025, que ocorre em 2 de março. A pré-lista (ou shortlist) de 15 filmes deve ser divulgada em 17 dezembro. Já os cinco indicados devem ser conhecidos um mês mais tarde, em 17 de janeiro.
Os demais filmes brasileiros que estavam na disputa eram: “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas; “Levante”, de Lillah Halla; “Motel Destino”, de Karim Aïnouz; "Saudade Fez Morada Aqui Dentro", de Haroldo Borges; e "Sem Coração", de Nara Normande e Tião.
Sem desmerecer os demais concorrentes, “Ainda Estou Aqui” era a escolha óbvia. Em um mundo ideal, o anúncio deveria ter ocorrido antes do Festival de Veneza. Falei sobre a demora da Academia em realizar o processo neste post, no qual abordo os problemas que isso acarreta.
Declaração de Bárbara Paz, presidente da Comissão de Seleção: “Estou orgulhosa de presidir essa comissão, que foi unânime na escolha desse grande filme sobre memória, um retrato emocionante de uma família sob a ditadura militar. 'Ainda Estou Aqui' é uma obra-prima, sobre o olhar de uma mulher, Eunice Paiva, e com atuações sublimes das duas Fernandas. Esse é um momento histórico para nosso cinema. Não tenho dúvida que esse filme tem grandes chances de colocar o Brasil de novo entre os melhores do mundo. Nós, da indústria do audiovisual brasileiro, merecemos isso”.
O novo longa de Walter Salles é uma adaptação do livro homônimo escrito por Marcelo Rubens Paiva. A obra autobiográfica aborda a relação do autor com sua mãe, Eunice Paiva, e do trauma pela morte do pai, o deputado federal Rubens Paiva, assassinado pela Ditadura Militar.
Desde antes da première mundial em solo italiano, o longa já estava cercado de expectativa. Há 12 anos sem lançar um novo filme, Walter Salles retorna com um elenco de peso, liderado por Fernanda Torres e Selton Mello.
Como se não bastasse, Fernanda Montenegro também integra o time, o que automaticamente nos remete a bem-sucedida parceria entre diretor e atriz em “Central do Brasil” (1998). No Oscar de 1999, duas indicações: melhor atriz e melhor filme internacional, com um resultado amargo que todos nós sabemos bem.
Chegamos ao Festival de Veneza 2024 e “Ainda Estou Aqui” não decepcionou: venceu a categoria de Melhor Roteiro, assinado por Murilo Hauser e Heitor Lorega. Na sequência, foi ovacionado Festival de Toronto e, neste momento, está muito bem cotado para o Oscar, mas não apenas na categoria de filme internacional.
No dia 17 de setembro, uma matéria de previsões do The Hollywood Reporter colocou o longa brasileiro na 10ª posição para Melhor Filme (única categoria com 10 indicações, é bom lembrar). Nos EUA, o longa brasileiro é distribuído pela Sony Classics, que deve investir forte para que o longa viabilize a indicação para melhor filme internacional e, quem sabe, consiga a indicação para Melhor Filme.
Em termos de cinema internacional, e confirmando-se uma eventual indicação, a briga parece ser com “Emilia Pérez”, da França, e “The Seed of the Sacred Fig”, da Alemanha, ambos premiados no Festival de Cannes deste ano. São dois pesos pesados.
O que pode nos dar esperança é que a Sony Classics tem se movimentado bastante para aumentar a visibilidade de “Ainda Estou Aqui”. Na semana passada, o filme foi confirmado numa mostra paralela do AFI Fest, realizado pelo American Film Institute. A exibição em tal festival é cirúrgica, pois o longa será apresentado a votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que é o órgão responsável pelo Oscar.
Obviamente, é sempre bom estar com os pés no chão. O foco do momento tem de ser entrar na pré-lista para depois sonhar com voos mais altos.
E por falar em voos mais altos, “Ainda Estou Aqui” também aparece bem cotado em outras categorias, como Melhor Diretor (em 7º lugar, uma posição à frente de Pedro Almodóvar) e Melhor Atriz (6º lugar para Fernanda Torres), Roteiro Adaptado (4º) e Ator Coadjuvante (6º para Selton Mello).
Em termos de narrativa de campanha, a indicação de Fernanda Torres seria algo notável, repetindo os passos da mãe e consolidando de vez o prestígio internacional; sempre bom lembrar que Fernanda Torres venceu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes por "Eu sei que vou te amar" (1986), aos 20 anos. Mas a disputa não é nem um pouco fácil. O problema central é a concorrência “dentro de casa”.
Além de “Ainda Estou Aqui”, a Sony Classics também é a distribuidora de “O Quarto ao Lado”, de Almodóvar, vencedor do Leão de Ouro de Veneza. O filme é estrelado por Tilda Swinton e Julianne Moore, dois nomes fortes, e especula-se que a distribuidora poderia priorizar a campanha nas duas; ambas devem ser inscritas como Melhor Atriz (o que é algo questionável, mas esse é um assunto para outro post).
Curiosamente, ambas estão atrás de Fernanda Torres na previsão do The Hollywood Reporter. Como dito acima: ainda é muito cedo e muita campanha será feita até as indicações se confirmarem.
Por ora, o que nos resta é torcer e aguardar a estreia de “Ainda Estou Aqui”, que chega ao circuito comercial em 7 de novembro. Antes, o filme será exibido na Mostra de SP, que ocorre de 17 a 30 de outubro, ainda sem data de exibição definida.
No entanto, se você é de Salvador (BA), tem até esta quinta-feira (25) para assistir ao filme no Cine Glauber Rocha. O longa entrou em cartaz na última quinta-feira (19) para cumprir as regras da Academia Brasileira, que exige que os candidatos tenham sido exibidos em salas de cinema entre 1º de novembro de 2023 e 30 de setembro de 2024, por, pelo menos, sete dias consecutivos.
Declaração de Walter Salles após a escolha: “Para toda a família de 'Ainda Estou Aqui' é uma honra representar o Brasil no Oscar, e nos Festivais de cinema como Veneza e San Sebastian. Esperamos ansiosamente pelas estreias na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio, porque esse filme existe, antes de mais nada, para se relacionar com o público brasileiro. Nada disso seria possível sem o livro fundamental de Marcelo Rubens Paiva e o apoio da família Paiva, que nos inspiraram constantemente nessa jornada.
Aproveito para celebrar o fato de o cinema brasileiro estar sendo abraçado e premiado desde o início do ano nos principais festivais internacionais como Sundance, Berlim, Cannes, Veneza, Locarno. Vários filmes premiados são de cineastas estreantes, e não poderia haver melhor notícia para o cinema brasileiro.
No documentário também temos um ano com filmes excepcionais. Esse conjunto de filmes prova que nossa cinematografia se reergue depois de anos difíceis. Torço para que o ano que vem seja ainda melhor para o cinema brasileiro.”
Declaração de Fernanda Torres após a escolha: “É bonito que o Brasil tenha escolhido ‘Ainda Estou Aqui’ para representá-lo pois, depois do livro do Marcelo, este é um filme de descoberta de uma mulher extraordinária, chamada Eunice Paiva, que todos precisam conhecer. Ela é o elo entre o ontem e o agora. Todos nós, envolvidos na feitura de ‘Ainda Estou Aqui’, estamos muito comovidos com a recepção do filme”.
Declaração de Selton Mello após a escolha: “É uma alegria poder representar o Brasil na corrida por uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro com um filme tão sensível e tão necessário”.
Sinopse oficial de "Ainda Estou Aqui": Rio de Janeiro, início dos anos 70. O país enfrenta o endurecimento da ditadura militar. Estamos no centro de uma família, os Paiva: Rubens, Eunice e seus cinco filhos. Vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice - cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas - é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos. Baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, a história emocionante dessa família ajudou a redefinir a história do país.
A Comissão de Seleção da Academia Brasileira de Cinema foi formada por: Alfredo Alves, Allan Deberton, Alzyr Brasileiro, André Pellenz, Bárbara Paz (presidente), Bernardo Uzeda, Bia Oliveira, Carol Bentes, Cintia Domit Bittar, Diogo Dahl, Edson Ferreira, Eloisa Lopez Gomes, Gabriel Mellin, Gal Buitoni, Gláucia Camargos, Ivelise Ferreira, Joaquim Haickel, Lô Politi, Lucy Barreto, Malu Miranda, Mónica Trigo, Renata Martins, Sandra Kogut e Yasmin Martins Mendes.
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